quarta-feira, julho 21, 2004

Carpe Diem

Virginia,

As horas não param. Aqui giram, à nossa volta, fitando-nos e chamando os nossos nomes. Não que me incomodem, sempre me fazem companhia. E quando as consigo possuir, fazê-las só minhas, isso é tudo o que poderia desejar, não?... Mas quando as sinto inquietas, irrequietas, sem as conseguir provar, atemorizam-me. São essas horas, as que não consigo ver, que me vão destruindo e roendo. A bolha... Presa em mim e naquele momento. Em pânico por não saber sair de lá. Vergonha, provavelmente, por estar desiquilibrada aqui. Posso pender muito para um lado e, tão depressa como parecia vir a cair, endireito-me milagrosamente e apoio-me no ar. Mas não volto novamente a sair de mim, do meu mundo pequenino e refugiado, tão depressa. Custa voltar a adaptar-me.

Mas, sabes, eu até amo a vida. (Assim como tu, pensas que não sei?) Daí as horas me poderem incomodar tanto. Por sentir que não estou a viver, que estou a perder algo de muito importante. Carpe Diem. Queria viver a um ritmo alucinante, imparável, viciante. E se me começo a atrasar, tropeço. Tu sabes, também conheces as horas.

Porque sorris enquanto sangras? Podes ouvir os meus gritos e até os meus gemidos mais silenciosos mas também eu te vejo, também te oiço, também sinto o sangue que escorre de ti, dos teus olhos, da tua carne. Não precisas de sorrir, não o forces. Se quiseres, não te pergunto nada, fico ao teu lado apenas, fitando o mesmo ponto que tu. Partilhamos o silêncio que nos fascina. Não deixes que um sorriso te magoe mais que uma lágrima.
E, aqui entre nós, não vais morrer por falta de palavras. Lembra-te que és Virginia, poetisa, e não és tu que procura as palavras, são elas que precisam de ti para viverem. Eu sei que as sentes borbulhar dentro de ti, seguidas, imparáveis, e que te imploram para as libertares. Acredita que são elas que precisam de ti, és tu que as crias, és tu que as fazes bailar em frente aos meus olhos quando leio o que escreves. E que me fazem também bailar. E, sim, poderei dançar contigo, se não fechares a porta do quarto escuro em que te escondeste. Lá estarei ao teu lado. Aí, sem querer, sorriremos verdadeiramente.